Quando visitei pela primeira vez esta casa decidi, mesmo sem o saber, que era ali que queríamos morar. Ainda em obras, percorri a casa em precário equilibrismo, pé ante pé, em cima das traves descarnadas pelo soalho levantado. Não caí, mas cedi à tentação do terraço debruçado sobre uma espécie de traseiras de uma cidade que eu pensava conhecer e ao ousado passadiço que cruza a rua num passo de gigante. O entusiasmo de viver nesta casa angulosa e labiríntica, logo se intrometeu no trabalho que, entretanto, recomeçava com o colectivo CASA. Lembro-me de numa sessão de trabalho, desenhar de memória a planta da casa de couros e pedir aos actores que escolhessem um lugar para ocupar. Esta casa concreta, com paredes, quartos, cantos, escadas, sotão e janelas, a oferecer-se para ser habitada por uma ideia de teatro. Pensar este espaço para acontecer teatro foi um desejo consciente de dar forma a uma experiência de proximidade e provocar outras possibilidades de encontro.
E estar em casa é estar próximo de uma ideia de intimidade e interioridade onde moram memórias, identidades e corpos secretos. Estes 5 Solos, (à la carte, porque exclusivos destes intérpretes, criados com e para cada um deles com as palavras luminosas da Ana Arqueiro) falam de casas imaginadas, de corpos como casas que guardam vozes, de janelas que se abrem de fora para dentro de nós, de casas de pessoas ausentes, do insondável sentir das casas de que somos feitos e também desta casa com passadiço onde eu e o Tiago vos recebemos.